18/04/11

Para Além dos Tempos


Ele morava no último andar de um prédio isolado de todos os outros. Perguntava-se como seriam os da sua espécie. Nunca vira nenhum. Nem ele sabia quem era. Muito pequenino fora para ali e ali crescera. Subia ao telhado e andava em redor, dali não podia sair, quatro cantos, quatro abismos.

À noite sentava-se no telhado e observava a lua, tentando perceber como é que tão grande bola se segurava no espaço. De repente viu-a. De peito branco, numa das pontas do prédio, olhava para ele. Que bicho era aquele? Nunca conhecera outro animal senão ele próprio naquele telhado e eis que ali estava um estranho. Curioso aproximou-se, mas de tão perto ficou que aquela coisa branca abriu as asas e voou sem antes lhe dar um som que ele nunca ouvira antes. Nem podia ter ouvido pois nunca ouvira outros sons que não fossem os seus.

O seu coração batia freneticamente. Vira pela primeira vez um outro ser. Um ser alado que voara à sua frente num voo gracioso.

Desceu e adormeceu, acordando várias vezes pensando ouvir o som que lhe ficara nos sentidos.

Nos dias seguintes voltou ao telhado tentando vê-la. Nada, até parecia que tinha sido em sonho que tudo se tinha passado.

Mais uma vez subira, aguardara e devagar ia descendo. Num canto viu-a de novo. Silenciosamente aproximaram-se. Fitaram-se nos olhos. Ele com as suas pupilas verticais de um azul/esverdeado, ela de olhos castanhos. Não sentiam medo um do outro, era como se se tivessem já conhecido noutras eras como seres iguais e não como agora.

E ali ficaram horas, como se o ontem fosse hoje. Sabiam que nada mais podiam fazer. O destino fora amargo incorporando-os em espécies diferentes.

E todos os dias ele subia e todos os dias ela voltava. Até que um dia ela não apareceu. A esse dia outros sucederam.

Percorreu repetidamente o telhado de quatro cantos. Olhava desesperadamente à procura do seu vulto. Já não saiu do telhado, exausto, adormeceu. Acorda sobressaltado, um arrepio percorre-lhe o pelo lustroso, algo o fitava. Abre os olhos lentamente, à sua frente, pairando, ela ali estava. Mas a sua figura era uma figura etérea, resplandecente. Olhou-a como tantas vezes o fizera. Subiu para as suas asas e num voo para além dos tempos, a gaivota levou-o para uma outra dimensão, onde podiam voltar a amar como iguais, como acontecera no passado.