08/11/08

À Noite



Olhavas para os homens com soberba. Achavas-te digna de um príncipe. Eras linda, todos reparavam em ti, mas tu seguias sem um olhar, sem dares um sinal de esperança para aqueles corações apaixonados que tentavam a todo o custo que te apercebesses que eles existiam, que tinham amor para dar, que sonhavam um futuro contigo.

Mas tu nada! Vivias um sonho, sonho que levavas para todo o teu ser. Não serias de ninguém, ninguém era digno de te tocar, eras intocável.

À noite, quando te despias, sentias o teu ser vibrar como se algo invisível tomasse conta dele. Tocavas no teu corpo, os teus dedos deslizavam sentindo cada traço do teu rosto, do teu peito, do teu sexo. Fechavas os olhos, e estremecias como se alguém ali estivesse contigo. Era alguém sem rosto, era um corpo indefinido, era um prazer sentido, eras tu dentro de ti, possuías-te a ti própria.

E os anos foram passando! A rosa em ti, como folha de árvore, foi secando. Da primavera passaste ao outono. Mesmo assim, não houve homem que não tentasse, que não te quisesse, que não se oferecesse para fazer parte da tua vida. Mas a tua folha ficava no ramo mais alto e ninguém conseguia lá chegar. Foram desistindo pelo caminho e tu sempre à espera do príncipe que nunca veio.

Hoje, que o inverno em ti se faz sentir, à noite - ah, a noite!.. Quantos sonhos perdidos na escuridão dos sentidos, quando te despes, o teu ser já não vibra, as tuas mãos, outrora belas, sentem as rugas do teu rosto, do teu peito e já nenhum corpo se vem juntar ao teu. Do corpo viçoso só resta a lembrança.

Deixaste fugir o tempo e hoje, na solidão do teu quarto, olhas pela janela vazia da tua existência!

Espera-se uma vida inteira por algo diferente e parte-se desta vida sem o encontrar.

08/10/08

O Entardecer na Cidade!...



Empurra a porta do velho prédio. A luz, mortiça, dá a silhueta de um corpo de mulher. O seu olhar, percorre lentamente aquele corpo. Umas botas negras, de cano alto, realçam aquelas pernas bem torneadas que as separam da pequena saia justa, emoldurando uns quadris de sonho. Uma blusa, semiaberta, mostram os seios alvos, com os mamilos hirtos como se fossem perfurar aquela fina fazenda que lhe cobria o busto.

Serenamente fixou-o nos olhos. Um estremecimento percorreu-lhe o corpo. Sentia subir o prazer da paixão, da posse, do prazer carnal. Toda ela era lume, toda ela era fogo, toda ela era sexo!

Não soube ao certo quanto durou aquele momento. Os seios, palpitantes, aguardavam-no, os lábios carnudos, num rosto bem emoldurado, abriam-se sequiosos. As pernas cruzaram-se lentamente, como a dizer que levaria o seu tempo, o tempo que fosse necessário para as abrir, sem pressas, sem necessidade de se saber se outro alguém estaria à espera dessas mesmas pernas, desse mesmo corpo.

Num sussurro, ela entreabriu os lábios mostrando uns dentes perfeitos e perguntou:

- Vens?!

Despertando do torpor que aquele ser lhe criara, ele subiu as escadas à procura do local onde tinha que ir e, sem lhe dizer palavra,... Não foi!

04/06/08

O Sonhador



A vida é longa e cheia de interrogações. Por vezes, perguntamo-nos qual é o sentido da nossa existência.

Será só isto? Não nos bastam as atrocidades que o Homem inflige ao seu semelhante, por motivos sociais, raciais ou políticos. Ainda temos que lidar com os conflitos familiares, conjugais ou geracionais.

Somos uma partícula do Cosmos, uma obra do Universo. Não há um Deus que nos imponha um destino, a vida segue o seu curso, a Natureza é soberana. O resto são variações da mesma espécie. Cão, gato, macaco ou homem, tanto faz.

O temor a Deus é para os pobres, não para os ricos!

Quando a Natureza se agita, tudo treme. Morre o bom e o mau, a criança e o velho. Não há milagres, há sorte.

Se alguém se salva, dizem que foi milagre. Mas esquecem-se dos milhares que mereciam igual sorte e morreram.

A Natureza não poupa os pobres. Deus não protege as crianças, os pais que morrem, os que sofrem nas mãos dos tiranos. Os homens que matam em Seu nome não merecem viver. Mas vivem!

Se eu fosse Deus, mandava um raio que aniquilasse esta geração. Recomeçaria tudo do zero e daria ao Homem a consciência de que há um Universo. E, como diz Pascal:

“Senhor, somos fios de palha perdidos no Universo”

Somos palha. Mas há quem se julgue o próprio Universo.

Se o raio viesse, gostava de estar sentado, sozinho, a contemplar a vida que vivi. Lá longe, onde o sol castiga mais.

11/04/08

Andarilho...



Sou um andarilho de mim mesmo. Percorro as trilhas da vida, sem me preocupar se um espinho me fere, um obstáculo me impede, um abismo se abre.

Gosto de caminhar entre as árvores, sentir a brisa suave da manhã, o aroma que vem da terra, do ar, das plantas, ouvir o canto dos pássaros.

Liberto-me das amarras do quotidiano. Desapegado de tudo e de todos, sigo pelos caminhos cobertos de folhas silenciadas pelo orvalho da noite, por galhos de árvores tombados pela força do vento, da chuva, pela juventude perdida e outros, viçosos, brotando num grito de esperança de que nada está acabado, que ainda há um fio, uma faísca de vida que renova em cada broto da velha árvore.

Vou porque quero ir. Sentir o cheiro do mar, o grasnar das gaivotas, o riso das crianças, as brincadeiras dos idosos, o céu azul, a linha do horizonte, as velas de um barco, o surfar das ondas. Pisar a areia, sentir a água de leve beijar os meus pés, voar o pensamento na imensidão do firmamento, traçar uma linha imaginária entre aquilo que sou e aquilo que gosto de ser…

… um andarilho de mim mesmo, um viandante do tempo!

08/04/08

Mulher d'Areia

No país de Rá, o deus do sol
Um poema em música é entoado
Dormem a cotovia e o rouxinol
E ela nos braços do seu amado

Belo rosto no peito aconchegado
Olhos entreabertos, corpo quente
No antigo Egipto, sob uma palmeira

Sarcófago com hieróglifos decifrado
Palavra doce, palavra envolvente
Dita e sentida pela mulher d'areia

Tanta ciência e tanto doutor
E a palavra era simplesmente... Amor!

29/03/08

O Nosso Tango



Encostado a uma coluna, com um cigarro nos lábios que só acendia nesses momentos para me dar um ar de “banga”, de estilo que a puberdade nos impinge mesmo que não tenhamos nenhum, mas é próprio da idade, observava mais um rodopio no salão onde tantas vezes nos encontrávamos. Outros pares dançavam, mas eu não tinha pressa. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, iríamos enlaçar nossos braços.

A esperança que me fazia voltar ali domingo após domingo era que não havia volta a dar senão as voltas ao som de uma música que nos enlevasse, nos transportasse para outro lugar onde nada mais importasse.

Os rapazes faziam sinais de longe para as “garinas”, de longe e não de perto, com medo de levar uma “tampa” e serem alvo de riso e chacota entre os amigos por esse motivo.

As músicas sucediam-se e eu sem me mexer, aguardando a música ideal.

Aqui e ali, os pais vigiavam as filhas, não fosse o “marmanjo” aproveitar-se da ocasião, afoitar-se demais e colocar a sua perna entre as pernas da menina, ou encostar-se aos seus peitos e, mesmo com “travão”, não conseguir evitar o aperto. O olhar severo do pai tudo dizia: nada de excessos!

De repente, ouvem-se os acordes de um tango. Apago o cigarro, dirijo-me ao local onde estavas com as tuas amigas.

Faço-te sinal com a cabeça, vens ao meu encontro, enlaçamos os braços, tudo parou e o salão foi só nosso.

15/03/08

O Meu Silêncio!

Glover Barreto

Se o Silêncio também se ouve, ouve então o som do meu Silêncio!